🎙️ 50 anos de sucesso: o disco que eternizou Odair José nos anos 70

LP Odair José

Em 1975, o Brasil vivia tempos de contrastes: enquanto o Regime Militar endurecia sua vigilância sobre a cultura, a juventude se refugiava na música popular, que encontrava nas rádios uma válvula de escape. Foi nesse cenário que um disco simples, direto e profundamente popular conquistou o país e colocou Odair José no patamar de ídolo nacional. Estamos falando de O Filho de José e Maria, álbum que completa 50 anos em 2025 e se mantém como um marco na música brasileira por sua ousadia temática e apelo popular.

👨‍🎤 Quem é Odair José?

Nascido em Morrinhos, Goiás, em 16 de agosto de 1948, Odair José começou sua trajetória musical no início dos anos 70. Rapidamente, ganhou o rótulo de “cantor brega”, termo muitas vezes usado de forma pejorativa, mas que no caso dele se mostrou um sinônimo de popularidade. As letras simples, que falavam de amor, traição, desejo e dilemas morais, atingiam diretamente o coração do povo. O artista representava o “anti-herói romântico”, alguém que cantava a verdade nua e crua, sem floreios.

Odair José
O cantor Odair José, ainda jovem, e o Rio de Janeiro como paisagem

💿 “O Filho de José e Maria”: um álbum ousado e revolucionário

Lançado em 1975 pela gravadora CBS, “O Filho de José e Maria” surpreendeu o público e a crítica com um conceito ousado: contar a história de um personagem com referências bíblicas que vive conflitos entre fé, sexualidade, repressão e liberdade. O disco causou polêmica na época, sendo inclusive censurado pelo regime, que via nas faixas uma crítica à moral conservadora imposta pelos militares.

Entre as canções mais impactantes estão:

  • “O Casamento” – Na canção O Casamento, Odair José faz uso de uma linguagem direta e narrativa para retratar um casamento apressado, realizado às pressas porque a noiva já estava grávida. À primeira vista, parece apenas a história comum de um casal pressionado pelas convenções sociais e familiares. No entanto, quando inserida no contexto do álbum O Filho de José e Maria, fica evidente que se trata de uma releitura simbólica da união bíblica entre José e Maria, pais de Jesus Cristo.

  • “O Filho de José e Maria” 

  • “Não Me Venda Grilos” – Uma canção que trata da realidade de um casamento, com toques de crítica social. A faixa tem ótimos arranjos.

  • Abaixo trechos de algumas músicas do álbum:

💍 "O Casamento": entre a crítica social e a releitura provocadora da fé

A música carrega um tom de denúncia contra o peso das convenções e da aparência, especialmente nas comunidades religiosas mais conservadoras. Ao retratar um casamento não por amor ou escolha consciente, mas por pressão moral e vergonha pública, Odair aponta para a realidade de muitas famílias da época — e ainda hoje — em que a liberdade individual é sacrificada em nome da reputação.

Ao trazer esse tema dentro de um disco que faz paralelos entre a vida de Jesus e questões humanas contemporâneas, a canção expõe as fragilidades da fé institucionalizada e a maneira como narrativas religiosas são usadas para manter estruturas de poder e repressão. Essa leitura provocadora é justamente o que causou tanto incômodo na Igreja e nos setores conservadores da sociedade.

Assim, O Casamento não é apenas uma faixa sobre um casal forçado a se casar; é uma crítica contundente à religiosidade superficial, às imposições morais e ao apagamento das complexidades humanas em nome de dogmas. Uma composição simples na forma, mas profunda e corajosa em sua mensagem.

A proposta de álbum-conceito — algo ainda raro na música brasileira da época — rendeu a Odair comparações com artistas de peso internacional, como Bob Dylan, por sua capacidade de narrar histórias e abordar temas profundos com simplicidade.

Odair José posando
Odair José e seu estilo 1970: cabelos longos e boca de sino

📈 Sucesso de público e polêmica

Apesar (ou por causa) da censura e do escândalo midiático, “O Filho de José e Maria” vendeu mais de 1 milhão de cópias, consolidando Odair José como um dos artistas mais populares do Brasil. 

A música “Pare de tomar a pílula”, também conhecida como “Uma Vida Só”, foi lançada no álbum anterior, Odair José, de 1973. Foi um escândalo! A faixa se tornou um dos maiores sucessos do cantor e chegou a ser proibida de tocar nas rádios, mas isso só aumentou seu alcance — o boca a boca e os programas de auditório foram cruciais para a difusão do disco.

A imprensa da época se dividia: enquanto veículos mais conservadores atacavam Odair por “subverter a moral”, revistas e jornais voltados para o público jovem o viam como um símbolo de libertação e autenticidade.

🎧 Uma obra redescoberta com o tempo

Com o passar dos anos, a crítica revisitou a obra de Odair José e passou a reconhecê-lo como um cronista do Brasil profundo, alguém que usava a música popular para dar voz aos anônimos. O disco de 1975, antes relegado ao gueto dos “bregas”, foi reeditado em CD e vinil na década de 2000, tornando-se objeto de estudo e culto entre músicos e pesquisadores.

O reconhecimento culminou em 2005, quando a gravadora Deckdisc lançou um tributo com artistas da cena alternativa brasileira — como Zeca Baleiro, Pato Fu e Los Hermanos — interpretando sucessos de Odair José. O cantor também foi homenageado em documentários e biografias, consolidando seu nome na história da música popular brasileira.

Contra-capa Odair José
Contracapa do álbum O Filho de José e Maria

🧠 Curiosidades sobre o disco e o artista

  • Odair José compôs praticamente todas as faixas do disco sozinho, revelando sua habilidade de composição narrativa.

  • Ele chegou a ser chamado de “subversivo” em um relatório oficial da censura federal em 1976.

  • O disco original em vinil, com encarte e letras, é hoje item de colecionador e pode custar mais de R$ 400,00 em sebos especializados.

  • Odair chegou a ser expulso de programas de TV por insistir em cantar músicas proibidas, mas jamais abriu mão de sua arte. O artista pode ser ouvido na Rádio Na Era do Vinil, além de várias plataformas digitais. 

Odair José ao vivo
Odair José, um verdadeiro "Cantador" de Histórias

🎵 O impacto tardio de O Filho de José e Maria: da censura ao reconhecimento cult

Lançado em meio ao Regime Militar e amplamente rejeitado pela crítica e pelo público na época, o álbum O Filho de José e Maria viria a conquistar, anos depois, um lugar de destaque entre os discos mais ousados da música brasileira dos anos 1970. Considerado inicialmente uma afronta aos valores morais e religiosos da sociedade, o projeto foi silenciado pelas rádios e ignorado pela grande mídia. No entanto, com o passar do tempo, a obra ganhou novo fôlego — e passou a ser reconhecida como um verdadeiro álbum conceitual de vanguarda.

Sua estrutura narrativa, que flerta com a ideia de uma ópera popular, antecipou tendências que só seriam plenamente valorizadas nas décadas seguintes. Letras simbólicas, crítica social disfarçada em alegorias religiosas e uma sonoridade densa e dramática tornaram o disco um exemplo singular de como a música popular brasileira pode transitar entre o popular e o experimental, entre o sagrado e o profano.

Críticos musicais e pesquisadores passaram a reavaliar a importância histórica do disco, classificando-o como uma peça-chave para entender os conflitos culturais e sociais daquele período. A reabilitação crítica foi acompanhada por novas gerações de músicos que passaram a reverenciar Odair José como influência estética e simbólica, como é o caso de nomes como Zeca Baleiro, Otto, Lobão e até artistas do circuito indie brasileiro. Eles não apenas reconheceram a ousadia de O Filho de José e Maria, mas também o papel de Odair como um artista que resistiu ao conservadorismo e às pressões ideológicas da época.

Com o passar do tempo, o disco passou a ser incluído em listas de “obras-primas esquecidas”, foi relançado em edições comemorativas em vinil e se tornou objeto de teses acadêmicas. Seu status evoluiu de fracasso comercial para disco cult brasileiro, cultuado por colecionadores e fãs de músicas que romperam com os padrões. A excomunhão sofrida por Odair José, antes vista como escândalo, hoje é compreendida como parte da trajetória de um artista que ousou questionar instituições, em nome de uma arte sincera, provocadora e profundamente humana.

Assim, O Filho de José e Maria não é apenas um álbum censurado — é também uma das mais corajosas manifestações artísticas da MPB dos anos 70. Um trabalho que, embora não compreendido em sua época, ganhou com o tempo a reverência que sempre mereceu.

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