
Em 1975, o Brasil vivia tempos de contrastes: enquanto o Regime Militar endurecia sua vigilância sobre a cultura, a juventude se refugiava na música popular, que encontrava nas rádios uma válvula de escape. Foi nesse cenário que um disco simples, direto e profundamente popular conquistou o país e colocou Odair José no patamar de ídolo nacional. Estamos falando de “O Filho de José e Maria“, álbum que completa 50 anos em 2025 e se mantém como um marco na música brasileira por sua ousadia temática e apelo popular.
Nascido em Morrinhos, Goiás, em 16 de agosto de 1948, Odair José começou sua trajetória musical no início dos anos 70. Rapidamente, ganhou o rótulo de “cantor brega”, termo muitas vezes usado de forma pejorativa, mas que no caso dele se mostrou um sinônimo de popularidade. As letras simples, que falavam de amor, traição, desejo e dilemas morais, atingiam diretamente o coração do povo. O artista representava o “anti-herói romântico”, alguém que cantava a verdade nua e crua, sem floreios.
Lançado em 1975 pela gravadora CBS, “O Filho de José e Maria” surpreendeu o público e a crítica com um conceito ousado: contar a história de um personagem com referências bíblicas que vive conflitos entre fé, sexualidade, repressão e liberdade. O disco causou polêmica na época, sendo inclusive censurado pelo regime, que via nas faixas uma crítica à moral conservadora imposta pelos militares.
Entre as canções mais impactantes estão:
“O Casamento” – Um jovem se recusa a se casar com uma mulher com quem teve relações, questionando o valor das convenções sociais.
“O Filho de José e Maria”
“Matéria-Prima” – Letra que discute o destino de jovens reprimidos e os sonhos esmagados por uma sociedade moralista.
A proposta de álbum-conceito — algo ainda raro na música brasileira da época — rendeu a Odair comparações com artistas de peso internacional, como Bob Dylan, por sua capacidade de narrar histórias e abordar temas profundos com simplicidade.
Apesar (ou por causa) da censura e do escândalo midiático, “O Filho de José e Maria” vendeu mais de 1 milhão de cópias, consolidando Odair José como um dos artistas mais populares do Brasil.
A música “Pare de tomar a pílula”, também conhecida como “Uma Vida Só”, foi lançada no álbum anterior, Odair José, de 1973. Foi um escândalo! A faixa se tornou um dos maiores sucessos do cantor e chegou a ser proibida de tocar nas rádios, mas isso só aumentou seu alcance — o boca a boca e os programas de auditório foram cruciais para a difusão do disco.
A imprensa da época se dividia: enquanto veículos mais conservadores atacavam Odair por “subverter a moral”, revistas e jornais voltados para o público jovem o viam como um símbolo de libertação e autenticidade.
Com o passar dos anos, a crítica revisitou a obra de Odair José e passou a reconhecê-lo como um cronista do Brasil profundo, alguém que usava a música popular para dar voz aos anônimos. O disco de 1975, antes relegado ao gueto dos “bregas”, foi reeditado em CD e vinil na década de 2000, tornando-se objeto de estudo e culto entre músicos e pesquisadores.
O reconhecimento culminou em 2005, quando a gravadora Deckdisc lançou um tributo com artistas da cena alternativa brasileira — como Zeca Baleiro, Pato Fu e Los Hermanos — interpretando sucessos de Odair José. O cantor também foi homenageado em documentários e biografias, consolidando seu nome na história da música popular brasileira.
Odair José compôs praticamente todas as faixas do disco sozinho, revelando sua habilidade de composição narrativa.
Ele chegou a ser chamado de “subversivo” em um relatório oficial da censura federal em 1976.
O disco original em vinil, com encarte e letras, é hoje item de colecionador e pode custar mais de R$ 400,00 em sebos especializados.
Odair chegou a ser expulso de programas de TV por insistir em cantar músicas proibidas, mas jamais abriu mão de sua arte. O artista pode ser ouvido na Rádio Na Era do Vinil, além de várias plataformas digitais.
“O Filho de José e Maria” não apenas marcou a carreira de Odair José, como também abriu caminho para uma nova forma de se fazer música no Brasil: direta, popular e engajada. Seu legado pode ser visto na obra de artistas que também flertam com temas do cotidiano e da marginalidade, como Belchior, Raul Seixas e até mesmo Cazuza.
Odair José segue em atividade, realizando shows e lançando novos projetos. Em 2023, lançou o álbum “Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio”, mostrando que, aos 75 anos, ainda é capaz de inovar e emocionar.