
Raul Santos Seixas — ou simplesmente Raul Seixas, como ficou conhecido — nasceu em 28 de junho de 1945, em Salvador, na Bahia. Filho de Raul Varela Seixas e Maria Eugênia, cresceu em um ambiente culturalmente rico, mas profundamente conservador. Ainda criança, Raul demonstrou interesse pela literatura e pela música, especialmente influenciado por livros de ocultismo, filosofia e pelas canções de Elvis Presley, Little Richard e Jerry Lee Lewis.
Sua paixão pelo rock começou aos nove anos, quando ouviu pela primeira vez um disco de Elvis. A partir dali, passou a devorar álbuns importados que chegavam em Salvador pelas mãos de marinheiros ou de amigos de classe média com acesso ao exterior.
Foi essa obsessão que moldou sua personalidade rebelde, questionadora e absolutamente fora dos padrões da época. Raul não queria ser apenas um cantor. Queria ser um mito.
No início dos anos 60, Raul fundou a banda Raulzito e Os Panteras, uma das primeiras tentativas do rock brasileiro de se estabelecer com identidade própria.
Em 1968, o grupo gravou o disco Raulzito e Os Panteras, lançado pela Odeon. O álbum trazia versões em português de clássicos do rock americano, como “Lucy in the Sky with Diamonds” dos Beatles, além de faixas autorais que mesclavam rock, iê-iê-iê e baião. Apesar de ser um fracasso comercial, o disco abriu as portas para Raul no cenário musical nacional.
Foi nessa época que Raul começou a desenvolver o que viria a ser sua marca registrada: a fusão entre a música popular brasileira, o rock e elementos da cultura esotérica e filosófica. Abaixo trechos de duas músicas de Raulzito e os Panteras.
Após o insucesso do primeiro álbum, Raul se mudou para o Rio de Janeiro e começou a trabalhar como produtor da gravadora CBS (atualmente Sony Music). Jerry Adriani, nome badalado da Jovem Guarda, contava que sua relação com Raul era tão boa que ele pediu ao diretor da CBS, Evandro Ribeiro, para que o Maluco Beleza produzisse seus trabalhos. Lá, teve contato direto com grandes nomes da MPB e foi responsável por lançar e orientar carreiras de artistas como Diana. Na lista de nomes produzidos por Raulzito, ainda temos Tony & Frankye, Osvaldo Nunes, Balthazar, Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy Star. Claro, não podemos deixar de fora o próprio Jerry, que estourou com a canção “Doce, Doce Amor”, que tem a autoria de Raulzito, em parceria com Mauro Motta (1949 – 2025).
Mas Raul queria mais. Usava o tempo livre para compor canções provocativas, com letras ácidas e filosóficas, que não se encaixavam no perfil romântico da gravadora.
Foi durante esse período que conheceu Paulo Coelho, que viria a ser seu parceiro em algumas das músicas mais icônicas da MPB.
Em 1973, Raul enfim deu o grande salto de sua carreira. Lançou o disco Krig-Há, Bandolo!, um marco absoluto na história do rock brasileiro. O álbum trazia faixas antológicas como:
“Mosca na Sopa”
“Metamorfose Ambulante”
“Al Capone”
O disco apresentou ao Brasil um artista novo, ousado, que misturava filosofia existencial com crítica social e referências pop, tudo isso embalado em um som de guitarra crua, bateria pulsante e sotaque nordestino.
A capa do álbum “Krig-Há, Bandolo!” de Raul Seixas, apresenta o músico de peito nu e braços abertos, com o símbolo da Sociedade Alternativa na mão direita, transmitindo uma mensagem de rebeldia, liberdade e contestação, além de aludir a um ser escolhido ou messias. O título, “Krig-Há, Bandolo!”, é um grito de guerra de Tarzan que significa “Cuidado, aí vem o inimigo“, reforçando a ideia de desafio e confronto com o establishment.
O Álbum que Oficializou Raul Seixas como Solista
Embora muitos considerem Krig-Há, Bandolo! (1973) o disco de estreia de Raul Seixas, a verdade é um pouco mais curiosa. Antes dele, Raul gravou um LP intitulado Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock, um álbum de covers lançado após sua elogiada apresentação no 7º Festival Internacional da Canção (FIC). Porém, o disco saiu sem seu nome na capa nem nos créditos — Raul foi apenas o “ghost singer” da obra. Só em 1975, numa reedição, recebeu o devido reconhecimento.
Para todos os efeitos, Krig-Há, Bandolo! foi de fato seu cartão de visitas oficial como artista solo, marcando o início da fase mais criativa e explosiva de sua carreira. Antes disso, Raul havia integrado bandas em Salvador como Os Relâmpagos do Rock, que se tornariam The Panthers e, depois, Raulzito e Os Panteras, já destacando sua liderança.
Raul atingiu o ápice de sua carreira em meados dos anos 70. Em parceria com Paulo Coelho, lançou músicas como:
“Sociedade Alternativa”
“Ouro de Tolo”
“Tente Outra Vez”
“Gita”
Apesar do sucesso da parceria, as ideias de Raul, que também lançou com o disco Krig-ha, Bandolo!, um gibi que acompanhava o álbum, falando de uma tal Sociedade Alternativa, inspirada nos preceitos do ocultista inglês Aleister Crowley, trouxe nefastas consequências. Essa fase mística, mítica e profundamente libertária incomodou o Regime Militar.
No dia 27 de maio de 1974, às 15h, Raul Seixas e Paulo Coelho foram convocados a comparecer à sede da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), no Rio de Janeiro. O motivo? Prestar esclarecimentos sobre trechos do disco Krig-Há, Bandolo! que haviam incomodado os órgãos de censura da ditadura militar. Lançado no ano anterior, o álbum marcou a estreia oficial de Raul como artista solo e trouxe as primeiras parcerias musicais com Paulo Coelho — uma colaboração que logo se tornaria lendária.
Os dois haviam se conhecido em maio de 1972, após Raul ler um artigo assinado por Paulo na revista A Pomba, especializada em temas de ufologia e esoterismo. O encontro entre suas mentes inquietas e visionárias selaria uma das parcerias mais provocativas da música brasileira.
Em uma entrevista concedida por Raul Seixas em 1988 à extinta rádio FM Record de São Paulo e reproduzida este ano pela Rádio Nacional de Brasília FM, o cantor falou sobre sua prisão de três dias e afirmou que foi torturado. Esses acontecimentos motivaram a mudança dele para os Estados Unidos, onde ficou menos de um ano.
Após ser interrogado pelo DOPS em 1974, por conta das ideias da Sociedade Alternativa, Raul Seixas deixou o Brasil por um curto período. A repressão da ditadura militar tornava inviável a permanência de artistas que ousavam falar de liberdade e “espiritualidade alternativa” em voz alta.
Mas enquanto Raul estava fora do país, algo inesperado aconteceu: o Brasil abraçou sua música com força. A canção Gita, inspirada no texto sagrado hindu Bhagavad Gita, estourou nas rádios. O disco, lançado naquele ano, alcançou grande popularidade e a volta do cantor foi “solicitada”. Devido ao seu êxito, a faixa transformou Raul em um fenômeno nacional. Ao saber do sucesso e atendendo aos apelos, ele decidiu retornar. De acordo com o músico, “era quase dezembro de 1974”.
O álbum Gita, lançado em 1974, foi seu maior sucesso comercial, ultrapassando 600 mil cópias vendidas. Nele, Raul mistura misticismo, rock, crítica social e afirmação existencial com uma força rara na música brasileira. A faixa-título se tornou um verdadeiro hino libertário:
“Eu sou a luz das estrelas, eu sou a cor do luar…”
Mais que um disco, Gita foi um renascimento artístico e o marco definitivo do Maluco Beleza como um dos maiores nomes da história da música brasileira.
Em 1973, Raul Seixas e Paulo Coelho estavam imersos no sonho de uma Sociedade Alternativa, baseada na filosofia de Aleister Crowley. A ideia era criar um refúgio para os “malucos beleza” em um lugar chamado Cidade das Estrelas, no interior do Rio de Janeiro. Raul chegou até a assinar um manifesto, declarando que um terreno havia sido comprado em Paraíba do Sul, onde viveriam sem leis, apenas sob a máxima: “Faze o que tu queres, há de ser tudo da Lei”.
Mas havia um problema: o terreno nunca existiu. Em Paraíba do Sul, não havia casa, não havia teto — não havia nada.
O país vivia sob a repressão da ditadura militar, e qualquer reunião de jovens cabeludos era motivo de vigilância. Resultado: Raul foi interrogado no DOPS, o órgão oficial de repressão do regime. Paulo Coelho foi preso e torturado, acusado de incitar a subversão com ideias “perigosas”. Raul declarou ter ficado três dias detido, com direito a choque elétrico nas partes…
O episódio abalou profundamente os dois artistas e marcou o início do fim da parceria que havia dado ao Brasil algumas de suas músicas mais revolucionárias.
Raul viveu cinco casamentos oficiais:
Edith Wisner – com quem teve sua primeira filha, Simone.
Glória Vaquer – mãe de Scarlet Seixas.
Tânia Menna Barreto – Tânia Menna Barreto foi a terceira esposa de Raul Seixas e esteve ao seu lado por cerca de três anos, contribuindo com sua carreira musical e assinando algumas de suas músicas. Recentemente, Tânia lançou um livro intitulado “Pagando Brabo: Raul Seixas na Minha Vida”, onde compartilha detalhes da sua vida ao lado do cantor.
Kika Seixas (Ângela Affonso Costa) – com quem teve Vivian Seixas e viveu um dos romances mais intensos e conturbados.
Lena Coutinho – última companheira, com quem Raul viveu seus últimos anos, marcada por doença e reclusão.
Esses relacionamentos influenciaram diversas músicas de Raul, que muitas vezes misturava vida pessoal com composições, como na tocante “Cowboy Fora da Lei” e na ácida “Eu Também Vou Reclamar”.
Raul gravou 17 discos de estúdio. Entre os mais importantes:
Krig-Há, Bandolo! (1973)
Gita (1974)
Novo Aeon (1975)
Há 10 Mil Anos Atrás (1976)
O Dia em que a Terra Parou (1977)
Mata Virgem (1978)
Por Quem os Sinos Dobram (1979)
Abre-te Sésamo (1980)
A Pedra do Gênesis (1988)
Panela do Diabo (1989) – gravado com Marcelo Nova, o último disco do roqueiro baiano.
Cada álbum trazia uma nova proposta estética e temática, mas todos mantinham a essência rebelde e mística de Raul, que se considerava um “sacerdote do rock”.
Nos anos 80, Raul entrou em um processo de autodestruição. O vício em álcool se intensificou, assim como as internações, crises de saúde e shows cancelados. Gravadoras passaram a rejeitar suas ideias e sua figura tornou-se cada vez mais marginalizada pela mídia.
Mesmo assim, Raul seguiu compondo e realizando shows esporádicos. Em 1987, conheceu Marcelo Nova, vocalista do Camisa de Vênus, que o convenceu a retomar a carreira com o projeto do disco Panela do Diabo.
O disco não teve divulgação tradicional, nem o apoio das grandes gravadoras. Mas se tornou uma obra cultuada por fãs e críticos, justamente por sua autenticidade e intensidade. Raul não queria agradar ninguém — queria somente se expressar pela última vez. E conseguiu.
Poucas semanas após o lançamento, no dia 21 de agosto de 1989, Raul foi encontrado morto. Mas o álbum selou sua despedida com a mesma ousadia com que viveu: sem medo de dizer o prisma pelo qual via a vida.
Em 21 de agosto de 1989, Raul foi encontrado morto em seu apartamento, em São Paulo, vítima de uma pancreatite aguda provocada pelo alcoolismo. Ele tinha apenas 44 anos.
Ao lado de seu corpo, estavam um copo de uísque, remédios para diabetes e livros de ocultismo. Em 22 de agosto de 1989, milhares de fãs foram ao cemitério Jardim da Saudade, em Salvador. Lá, entoaram espontaneamente a canção “Maluco Beleza” enquanto o corpo de Raul era sepultado. Foi um dos momentos mais emocionantes da música brasileira — e o início do mito eterno de Raulzito.
Raul Seixas não foi apenas um cantor ou compositor. Foi um pensador, provocador e cronista do absurdo brasileiro. Suas letras anteciparam discussões sobre liberdade individual, espiritualidade, alienação social e contracultura. Ele foi o Elvis brasileiro, o profeta do rock tupiniquim.
Mesmo após sua morte, Raul continuou vendendo discos, influenciando gerações e sendo celebrado em eventos, livros, biografias, filmes e, mais recentemente, no seriado da Globo que reacendeu a curiosidade sobre sua vida.
Como canta o próprio Raul em “Maluco Beleza”:
Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez
Vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
Eu vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
Raul, ao final da vida, não conseguiu controlar muito bem a “maluquez”, partiu no “Plunct Plact Zum” com somente 44 anos — deixou seus antigos e novos fãs com imensa saudade, bem como uma marca duradoura na música brasileira.
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