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Enquanto o mundo mergulha cada vez mais no digital, um movimento silencioso — e barulhento — acontece do lado de cá da agulha: os discos de vinil estão não apenas de volta, mas mais fortes do que nunca. O que começou como um nicho nostálgico de colecionadores apaixonados se transformou em um verdadeiro fenômeno cultural e econômico.
Segundo dados da Pro-Música Brasil, a venda de formatos físicos cresceu 31,5% no país em 2024, impulsionada sobretudo pelos LPs, que já representam 76,7% da receita do segmento físico. Em 2023, pela primeira vez, os vinis superaram os CDs nas vendas, marcando um ponto de virada histórico.
Ouvir um vinil é mais do que apenas escutar música: é participar de um ritual. Tirar o disco da capa com cuidado, posicionar no prato, colocar a agulha, ajustar o volume e deixar a música preencher o ambiente. Cada estalo, cada ruído da superfície carrega um charme inigualável.
É essa experiência tátil e imersiva que vem reconquistando o público. Não se trata de praticidade, mas de presença. Em um mundo de playlists aleatórias e faixas que passam despercebidas, o vinil exige atenção, tempo e entrega. E é exatamente isso que ele oferece em troca: conexão.
Surpreendentemente, o vinil não é apenas um retorno dos que viveram a era analógica. Ele também atrai os jovens, que enxergam no disco uma forma de diferenciar seu consumo cultural. Muitos nunca viram uma fita cassete ou um CD, mas sabem reconhecer o valor estético e emocional de um LP.
Influencers, bandas independentes e até ídolos pop como Billie Eilish, Taylor Swift e Harry Styles impulsionam a febre entre os mais novos. A capa grande, o design retrô, as prensagens coloridas e a aura “vintage” transformaram o vinil em objeto de desejo e status cultural.
A indústria fonográfica entendeu o recado e passou a investir pesado nas chamadas deluxe editions. São relançamentos com prensagens coloridas, encartes inéditos, capas alternativas, faixas bônus, livros com fotos raras, cartas dos artistas e até acessórios personalizados.
Taylor Swift, por exemplo, lançou mais de 15 edições diferentes do álbum 1989 (Taylor’s Version), cada uma com uma arte diferente — todas esgotadas. Adele lançou uma edição limitada de “30” para fãs de sua residência em Las Vegas que custa até R$ 2 000. Já o box especial com a discografia de John Lennon em vinil ultrapassa os R$ 15 000 no mercado.
Essas edições transformaram o ato de ouvir música em um verdadeiro ato de curadoria pessoal — e status. Colecionar discos se tornou também um símbolo de bom gosto, memória afetiva e engajamento cultural.
Além do valor emocional, o vinil também tem se tornado uma forma de investimento. Edições raras, limitadas ou autografadas podem valorizar rapidamente. Alguns títulos da Polysom, lançados por R$ 100, já são encontrados por mais de R$ 600 em sebos ou sites especializados.
Durante os anos 2000, com o colapso do formato físico, todas as fábricas de vinil do Brasil fecharam. Os discos passaram a ser importados, muitas vezes em tiragens limitadas e com altos custos.
Mas em 2009, a Polysom — pertencente à Deckdisc — reativou a produção nacional de vinis e se tornou referência na América Latina. Desde então, outras pequenas fábricas surgiram, como a Rocinante (SP) e a Vinil Brasil (também em SP), buscando atender à crescente demanda.
Graças a essas fábricas, artistas novos e veteranos voltaram a lançar seus álbuns em vinil. Nomes como Elza Soares, Emicida, Liniker, Milton Nascimento e Tim Bernardes figuram em listas de mais vendidos. A música brasileira voltou ao prato giratório.
Abaixo trechos de duas faixas sensacionais que são da Era do Vinil
Com um faturamento de R$ 3,08 bilhões em 2024, o Brasil ocupa a 9ª posição no ranking global da música. O crescimento no segmento físico, puxado pelo vinil, representa uma mudança relevante no comportamento do consumidor e cria oportunidades para artistas independentes, gravadoras e revendedores.
Apesar do boom, ainda existem entraves importantes para o crescimento sustentável do vinil. O primeiro deles é o custo. Produzir um disco é caro — especialmente em pequenas tiragens — e os impostos de importação encarecem ainda mais o processo.
Além disso, o vinil exige equipamentos específicos: toca-discos, agulha, pré-amplificador e caixas de som adequadas. O investimento inicial pode ultrapassar R$ 2. 000, o que torna o acesso limitado a um público disposto a bancar essa paixão.
O ministro Fernando Haddad já anunciou que pretende revisar a tributação de itens culturais como o vinil, o que pode reduzir preços e incentivar a produção local. Mas por enquanto, o vinil ainda é, para muitos, um artigo de luxo.
O disco precisa ser limpo, armazenado corretamente e manuseado com cuidado. Calor, poeira e exposição à luz danificam o vinil e comprometem a qualidade do som. Isso tudo exige dedicação — mas também cria uma relação mais íntima com o objeto.
Jack White, ex-White Stripes e dono da gravadora Third Man Records, é um dos maiores defensores do vinil na atualidade. Ele já declarou:
“Sem o vinil, você não tem um álbum de verdade. Um disco é uma peça de arte física.”
Billie Eilish criticou em entrevista a produção excessiva de variantes do mesmo álbum apenas por lucro. Mesmo assim, ela mesma lançou diversas edições especiais — mostrando como o mercado precisa equilibrar autenticidade e estratégia comercial.
O Record Store Day, celebrado mundialmente em abril, é um dos grandes impulsionadores do vinil no mundo. Neste dia, lojas independentes recebem lançamentos exclusivos, edições limitadas e atraem multidões. No Brasil, o evento cresce ano a ano.
Segundo a IFPI, o crescimento do vinil é constante desde 2006. Em 2023, os Estados Unidos venderam mais de 43 milhões de discos, superando os CDs. Na Europa, Alemanha e Reino Unido lideram a tendência.
📀 Por que o vinil voltou a ser popular?
Por causa da nostalgia, da qualidade sonora analógica e da experiência tátil. Também há influência das novas gerações que buscam um consumo cultural mais autêntico.
🧷 Qual a diferença entre um vinil prensado no Brasil e um importado?
Geralmente, a prensagem nacional tem tiragens menores e pode ter variações na qualidade. Mas as fábricas brasileiras estão se aprimorando e já concorrem com as internacionais.
🎶 Vinil tem melhor qualidade de som?
Não necessariamente. O som do vinil é mais “quente” e analógico, mas pode ter ruídos. Já o digital é limpo, mas por vezes impessoal. A escolha depende do gosto de cada um.
💼 O vinil é um bom investimento?
Alguns títulos valorizam muito, especialmente os raros ou em edições limitadas. Mas o maior valor é afetivo.
O retorno do vinil é mais do que uma moda. É uma resposta emocional e cultural a um mundo digital demais, rápido demais, descartável demais. Os discos oferecem permanência, presença, memória e arte em estado físico.
Enquanto a música seguir sendo uma das mais profundas formas de expressão humana, haverá espaço para os sulcos e suas imperfeições encantadoras. O vinil voltou para girar — e dessa vez, parece que vai continuar tocando.
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