Dalva de Oliveira: discos, desencantos e o sucesso do "Rouxinol Brasileiro"

Há 105 anos nascia Vicentina Paula de Oliveira (05/05/1917), nome simples, sem a pompa do pseudônimo artístico que a faria conhecida em todo Brasil e internacionalmente. A Rainha do Rádio, também chamada de Rouxinol Brasileiro, começou muito cedo o interesse pela música. Seu pai, Mario de Oliveira, era clarinetista e saxofonista, fazia serenatas e levava sua pequena filha para estes eventos. Muitas vezes, em cima de um banquinho, Dalva cantava graciosamente com o acompanhamento do pai. A vida era humilde, não havia fartura de brinquedos, mas havia o canto, e era a música o que mexia com todas as emoções da menina de Rio Claro, interior de São Paulo.

Vicentina crescia, e aos oito anos teve um duro golpe: seu pai faleceu, deixando a mãe com as filhas para criar. Por conta disso, dona Alice pegou as quatro filhas e viajou para a capital paulista, aonde arrumou emprego de governanta. Nesse período na capital, nossa futura cantora passou pelo orfanato, depois saiu por conta de uma doença nos olhos, passando a cooperar com a mãe nos trabalhos domésticos de copeira, babá e ajudante de cozinha. Quem poderia imaginar que esta pobre menina viria a ser uma lenda do disco e que um dia cantaria na Inglaterra? Quem, olhando para o quadro apresentado em sua infância, diria que ela excursionaria pela Europa, fazendo também magnífico sucesso na América Latina?

Dalva de Oliveira, Rainha do Rádio

Dalva e a família transferiram-se para o Rio de Janeiro em 1934, onde foram morar à rua Senador Pompeu, claro, pela falta de recursos se instalaram num cortiço. Vicentina, a futura estrela da música, conseguiu emprego de costureira em uma fábrica de chinelos e por gostar de trabalhar cantando chamou a atenção de um dos proprietários, Milton Guita, que era diretor na rádio Ipanema, para onde a levou. Resultado: foi aprovada no teste e pouco tempo depois, estava cantando também nas rádios Sociedade e Cruzeiro do Sul, nesta última, ao lado de Noel Rosa. Um fato curioso: pouco depois, já usando o nome artístico Dalva de Oliveira, apresentou-se no programa Calouros em Desfile, do grande apresentador e compositor Ary Barroso, que desferiu esta pérola para a nova cantora: “Minha senhora, quer um conselho? Volte imediatamente para o tanque, de onde nunca deveria ter saído. Vá lavar roupa, a senhora jamais deveria abrir a boca para cantar! ”. Algum tempo depois, ele teve que se curvar ante o talento da estrela: pediu desculpas e presentou Dalva com a letra da canção “Folha Morta”, sucesso na voz da cantora.

Dalva e Herivelto (direita), no Trio de Ouro

Conheceu Herivelto Martins em 1936, com quem foi morar pouco tempo depois. Tiveram um período como parceiros no grupo Trio de Ouro, onde Dalva, já chamava a atenção por conta de sua voz ímpar, afinadíssima. O maestro Heitor Villa-Lobos manifestou-se dizendo: “É a maior cantora popular brasileira”. O casamento com Herivelto foi feliz por um tempo, mas acabou ficando comprometido por diversos problemas, que iam de traições às bebedeiras.

Nilo Chagas, Herivelto Martins e Dalva de Oliveira

A separação do casal, em 1947, inicia uma polêmica pública mantida através de músicas provocantes, uma batalha de ofensas mútuas muito explorada pela imprensa da época. O duelo começa quando, em 1947, Herivelto compõe “Caminhemos” e “Segredo”. Dalva, então, responde à provocação de Herivelto cantando “Tudo acabado”, de J. Piedade e Osvaldo Martins. Quem lucrou com os recados do ex-casal, através das músicas, foi a indústria fonográfica, lançando discos e mais discos com as composições de ambos os lados, a mídia cobrindo cada batalha dessa guerra e o público que se deliciava com as histórias dramáticas transformadas em arte e pérola na interpretação precisa de Dalva.

Primeiramente, “Caminhemos” foi gravada por
Franciso Alves – O Rei da Voz

Após a separação, a carreira solo de Dalva de Oliveira decolou literalmente. Em 1951 foi eleita a Rainha do Rádio. Nunca, uma cantora brasileira alcançou o grau de empatia da artista. Ela era amada, e ainda é, por milhares de fãs apaixonados, pois seu nome atravessa gerações. Cauby Peixoto declarou certa vez que “Ela foi a nossa Edith Piaf, a voz mais emocionante do Brasil e a mais brasileira de todas. Como pessoa era a rainha da humildade. Dalva era extraordinária!” – Proclamou Cauby.  A grande cantora que apaixonou aos brasileiros, e conquistou os países por onde cantou, deixou-nos em 31 de agosto de 1972, espalhando comoção em cada canto do país. A estrela foi reverenciada por todas as chamadas divas da MPB. Todas declararam Dalva de Oliveira como a maior intérprete e fonte de inspiração para suas carreiras.

Dalva de Oliveira

 

Em 1992, Herivelto Martins, seu ex-marido, declarou em uma entrevista que deu ao programa Ensaio, da TV Cultura, que fez a canção “Cabelos Brancos” pensando em Dalva. De acordo com o compositor, algumas mulheres estavam em uma quitanda “metendo o malho” na cantora. Pelo que, se percebe na letra, ele não a esqueceu tão fácil e nutria saudade da estrela: “Não falem dessa mulher perto de mim, não falem para não lembrar minha dor. Já fui moço, já gozei a mocidade, se me lembro dela, me dá saudade. Por ela, vivo aos trancos e barrancos, respeitem ao menos, os meus cabelos brancos”. Mais um clássico das dores de amor que surgiu a partir do relacionamento de Dalva e Herivelto. Martins foi um notável compositor brasileiro.

Dalva foi uma brilhate cantora brasileira

Com apogeu artístico nas décadas de 30, 40 e 50, Dalva de Oliveira realizou mais de 400 gravações e sua voz está em vários coros de discos de Carmen Miranda, Orlando Silva, Francisco Alves, Mário Reis, entre outros. Muitos de seus sucessos foram regravados por grandes artistas, como Nelson Gonçalves, Maria Bethânia, seu filho Pery Ribeiro e Ângela Maria. Mais de 40 anos depois, sucessos de Dalva continuam sendo regravados. Ela era singular, patrimônio cultural de nossa música. A artista costumava dizer que não tinha fãs, e sim, amigos. Uma pena que na vida sentimental, ela e Herivelto não conseguiram levantar a Bandeira Branca em nome do amor. Por outro lado, sua atução no disco foi um brinde aos amantes da música. Dalva brilhou tal qual uma estrela. A artista morreu no dia 30 de agosto de 1972, aos 55 anos.

Dalva de Oliveira – Bandeira Branca
Composição: Laercio Alves / Max Nunes.