Morreu o narrador Silvio Luiz
Olho no lanceee! Morreu o narrador Silvio Luiz Morreu hoje, dia 16, o comentarista Silvio Luiz, aos 89 anos. Ele estava internado no Hospital Oswaldo
O Brasil é um país rico em cultura e tradições, e uma das maiores contribuições dessa pátria para o mundo é a sua música. Entre os nomes lendários do cancioneiro brasileiro, Cartola brilha como uma estrela que se destaca. Na vida, foi compositor e poeta, cujo legado perdura nas batidas e nas letras de inúmeras canções que continuam a encantar gerações.
Cartola, cujo nome real era Angenor de Oliveira, nasceu em 11 de outubro de 1908, no bairro do Catete, no Rio de Janeiro. Era o mais velho de oito filhos do casal Sebastião Joaquim de Oliveira e Aída Gomes de Oliveira. Apesar de ter recebido o nome de Agenor, foi registrado como Angenor — fato descoberto muitos anos mais tarde, ao tratar dos papéis de seu casamento com Dona Zica na década de 1960 – e para não ter que providenciar a mudança em cartório, a partir de então passou a assinar oficialmente Angenor de Oliveira. Sua trajetória na música começou cedo, quando, ainda na adolescência, começou a frequentar rodas de samba e a compor suas primeiras canções. Sua carreira se desdobrou em diversas fases, desde os primeiros anos no samba até o reconhecimento e o sucesso que ele alcançou mais tarde. Sua alcunha, Cartola, foi adquirida devido ao elegante chapéu-coco que ele costumava usar para se resguardar da poeira e dos detritos enquanto desempenhava o papel de servente de obra.
Após enfrentarem desafios financeiros, Cartola e sua família se viram compelidos a deixar o Catete. Em 1919, escolheram o Morro da Mangueira como seu novo lar. Foi nesse local que Cartola teve a oportunidade de se aproximar de mestres do samba, notadamente Carlos Cachaça, com quem estabeleceu uma parceria duradoura, contribuindo com inúmeras composições. Em 1928, ele e seus amigos fundaram a Estação Primeira de Mangueira.
O amor de Cartola pela música floresceu desde a infância, quando aprendeu a tocar cavaquinho e violão com seu pai. Contudo, sua adolescência foi marcada por perdas difíceis, começando com a morte de sua mãe e o agravamento do relacionamento com seu pai devido ao estilo de vida boêmio que o jovem sambista havia adotado. Essas circunstâncias o levaram a passar noites nas ruas depois de ser expulso de casa.
Na década de 1930, Cartola começou a ganhar reconhecimento fora da Mangueira. Ele foi abordado por Mário Reis, por meio de um mensageiro chamado Clóvis Miguelão, que subiu o morro para comprar uma de suas músicas. Cartola vendeu os direitos de gravação da canção “Que Infeliz Sorte“, que acabou sendo gravada por Francisco Alves, já que não se adequava à voz de Mário Reis. Naquela época, ele assinava como Agenor de Oliveira. Cartola também vendeu outras músicas para Francisco Alves, um dos maiores ídolos da música brasileira nesse período, mas manteve os direitos autorais, cedendo apenas os direitos sobre a venda dos discos. Nesse comércio, que o ajudou a se destacar entre os sambistas da cidade, Cartola preservou a autoria de suas músicas e não fez parcerias com ninguém.
Em 1933, pela primeira vez, Cartola testemunhou um de seus sambas se transformar em um sucesso comercial: “Divina Dama”, mais uma vez interpretado por Francisco Alves. Arnaldo Amaral registrou em disco “Fita Meus Olhos” (com B. Vasquez), marcando o encerramento do primeiro ciclo de gravações de suas composições. A partir desse ponto, o compositor de sambas concentrou-se exclusivamente na criação de músicas para sua comunidade no morro, afastando-se do cenário artístico e da indústria fonográfica da cidade. Em 1935, a Mangueira mais uma vez conquistou um prêmio no desfile com um samba de Cartola, “Não Quero Mais”, coescrito com Carlos Cachaça e Zé da Zilda. Essa canção foi gravada em 1936 por Araci de Almeida e, em 1973, Paulinho da Viola a regravou com o título modificado para “Não Quero Mais Amar a Ninguém”.
Aos 18 anos, Cartola se encontrou com Deolinda, uma mulher mais velha que abandonou seu marido para ficar com o talentoso compositor. Ele dedicou a maior parte de seu tempo ao seu ofício de compositor e violonista, contribuindo pouco para o sustento da casa. Deolinda desempenhava as tarefas de lavar e cozinhar para fora, e o modesto barraco que passaram a chamar de lar estava constantemente cheio de pessoas. Na comunidade do morro, Cartola começou a ganhar notoriedade como compositor e sambista. Foi nesse ambiente que ele cruzou caminhos com Carlos Cachaça, que mais tarde se tornaria seu fiel parceiro e amigo inseparável. Juntos, faziam parte de um grupo animado de foliões que celebravam o carnaval como o “Bloco dos Arengueiros“. Essa união de espíritos festeiros acabou dando origem à Mangueira, a pioneira escola de samba do Rio de Janeiro. A verde e rosa foi fundada em 28 de abril de 1928. Na década de 1940, Cartola ficou viúvo, perdeu Deolinda e seu prestígio, e se viu obrigado a se mudar para uma favela no Caju, atingindo um ponto baixo em sua vida. Foi nesse momento que ele cruzou o caminho de Dona Zica, moradora da Mangueira, nos encontros que ele tinha com seu parceiro na música, Carlos Cachaça. Cartola observou com mais cuidado a mulher que ele conhecera mais jovem, D.Zica, e que estava na condição de viúva, também. O mestre do samba mandou ver na paquera, mas a D. Euzébia (nome de batismo de Zica), fez-se de difícil e deu trabalho ao músico na conquista. Apesar de saber das dificuldades que Cartola enfrentava com a bebida, um tempo depois, o levou para o Morro da Mangueira. Lá, eles encontraram uma residência próxima à escola de samba e à casa de seu parceiro, Carlos Cachaça. Começaram uma vida a dois. O casamento ocorreu no ano de 1964 e durou até o fim da vida de Cartola. Com essa união, Cartola se refez, venceu várias dificuldades e veio a viver o auge na música.
Uma parte fundamental da história de Cartola é a sua relação com a icônica escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Foi lá que Cartola conheceu Dona Zica, sua esposa e grande companheira, e juntos eles se tornaram figuras centrais no berço da Verde e Rosa. Além de serem apaixonados pela escola de samba, Cartola e Dona Zica abriram o Zicartola, um dos primeiros espaços dedicados à música de samba e ao choro no Rio de Janeiro.
O compositor já estava há um tempo na estrada, no entanto, a consagração definitiva só chegaria em 1974, quando o sambista, finalmente, lançou seu primeiro álbum solo. Cartola, incentivado por Beth Carvalho após a gravação de “As Rosas Não Falam”, teve seu disco de estreia produzido por Marcus Pereira, renomado pesquisador musical e produtor de discos. Esse álbum, que conquistou vários prêmios e foi considerado um dos melhores daquele ano, apresentava uma seleção de obras-primas de Cartola e contou com músicos de alto calibre na equipe de acompanhamento. No disco, Cartola interpretou faixas como “Acontece”, “Tive Sim” e “Amor Proibido” (composições de sua autoria), bem como “Disfarça e Chora” e “Corra e Olhe o Céu” (em parceria com Dalmo Casteli), “Sim” (com Oswaldo Martins), “O Sol Nascerá” (com Élton de Medeiros), “Alvorada” (com Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho), “Festa da Vinda” (com Nuno Veloso), “Quem Me Vê Sorrindo” (com Carlos Cachaça) e “Ordenes e Farei” (com Aluizio).
No mesmo ano, em 1974, a gravadora de Marcus Pereira lançou o LP “História das escolas de samba: Mangueira”, no qual Cartola contribuiu com algumas interpretações. Pouco depois, em uma entrevista ao radialista e produtor Luiz Carlos Saroldi, em um programa especial da Rádio Jornal do Brasil, Cartola apresentou duas canções inéditas: “As Rosas Não Falam” e “O Mundo é um Moinho“.
Somente aos 66 anos Cartola lançou seu primeiro álbum solo. Reverenciado por músicos e críticos como o maior sambista na história da música brasileira, ele presenteou o mundo com mais de 500 canções. Mesmo com quase 70 anos, ele decidiu partir uma vez mais do Morro da Mangueira, desta vez acompanhado por Dona Zica, em busca de um refúgio tranquilo. Contudo, Cartola nunca deixou de visitar seus amigos no local que o tornou famoso.
Contrariando o que escrevera na canção “Alvorada“, no dia 30 de novembro de 1980 o inspirado compositor partiu, e o morro chorou, a alvorada não foi vista com tanta beleza e o céu não estava tão colorido, como diz a letra de sua belíssima obra. Foi-se o poeta, ficaram as melodias que sempre serão festejadas e o reconhecimento do talento e legado que deixou “seu Angenor”. Valeu, Cartola.
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