Há 51 anos, Don't Let Me Cry, na voz de um "cantor misterioso", emocionava o Brasil pela primeira vez

Mark Davis

📻 A canção que parou o tempo em 1974

Era 1974. A TV Tupi, pioneira, prendia o telespectador diante da telinha com seus folhetins, porém, as novelas da TV Globo começavam a ganhar importância nacional, ainda mais, depois do grande sucesso de Irmãos Coragem. Os festivais de música já não tinham a mesma força de antes, e o rádio ainda reinava absoluto no cotidiano do brasileiro. Foi nesse cenário que surgiu uma canção profundamente romântica, interpretada com alma e intensidade por Fábio Júnior, ainda assinando como Mark Davis: a inesquecível “Don’t Let Me Cry”.

Apesar de ser cantada em inglês, a música arrebatou corações no Brasil inteiro. Lançada como single em 1974, a canção logo se tornou um sucesso nacional, tocando em rádios de norte a sul e levando muitos a acreditarem que se tratava de um cantor internacional. Claro, a TV Tupi aproveitou a qualidade da gravação e a inseriu na trilha sonora da novela “A Barba Azul”, nesse mesmo ano. 

Don't Let Me Cry foi tema de novela e brilhou na Tupi

A trilha sonora da novela “A Barba Azul” foi um sucesso, com destaque para as canções que embalavam os momentos românticos e dramáticos da história. “Don’t Let Me Cry”, tema de Jô e Fábio, foi um dos grandes sucessos da novela. Outras músicas como “Sempre”, tema de Fábio, e “Papillon”, tema de Horácio, também fizeram sucesso entre o público. 

 
A TV Tupi, emissora responsável pela exibição da novela, foi a primeira rede de televisão brasileira, fundada em 1950. A emissora teve um papel importante na história da televisão no Brasil, mas enfrentou dificuldades financeiras e foi extinta em 1980. 
Capa da trilha sonora da novela A Barba Azul
SElo Mercury
Trilha original da novela A Barba Azul, com o selo Mercury - 1974

🎙️ Mark Davis era Fábio Júnior

O segredo por trás da canção começaria a se revelar com o tempo: Mark Davis era, na verdade, o cantor brasileiro Fábio Júnior, que buscava trilhar uma carreira de sucesso, mas para isso teve que surfar na onda internacional que havia nas rádios e gravadoras.

No início dos anos 70, alguns cantores brasileiros adotaram nomes estrangeiros, principalmente nomes em inglês, para gravar músicas. Isso ocorreu devido à forte influência da música internacional no mercado fonográfico brasileiro da época, com gravadoras buscando atender à demanda por músicas em inglês e francês, muitas vezes para serem incluídas em trilhas sonoras de novelas.

Ao adotar nomes estrangeiros, as gravadoras esperavam que os artistas fossem mais facilmente aceitos pelo público e pelas rádios, que tinham na época uma forte preferência por músicas em língua estrangeira. 

Com um inglês impecável e um timbre vocal que lembrava ícones como Elton John e David Gates, o jovem artista enganou — positivamente — o público e até parte da crítica.

“Don’t Let Me Cry” rapidamente se transformou em um dos maiores hits românticos dos anos 1970 no Brasil, entrando para trilhas sonoras de novelas e sendo tocada exaustivamente em programas de auditório e rádios AM, principalmente, pois a frequência modulada (FM) ainda estava ocupando espaços. 

💿 Um disco, uma identidade falsa e um sucesso inesperado

O compacto simples com “Don’t Let Me Cry” de um lado e “I Want To Be Free Again” do outro foi lançado pela gravadora MGM Records, e vendeu mais de 150 mil cópias no país. Como Mark Davis, Fábio Júnior também chegou a lançar um álbum completo, com repertório voltado para o público jovem e internacionalizado — o que refletia bem o momento da música pop no Brasil.

Mas o sucesso do projeto foi tão grande que ele se tornou refém do próprio disfarce. O público queria ver Mark Davis nos palcos, nas revistas e nos programas de TV. E o segredo teve que ser revelado. Em 1977, o Fantástico, da TV Globo, anunciou que o galã de novelas, Fábio Jr. era a voz dos discos, conhecido por Mark Davis. 

Compacto Simples Mark Davis - 1974

🌟 O desmascaramento e o nascimento do ídolo romântico

Com a revelação de que Mark Davis era, na verdade, Fábio Júnior, começava oficialmente a ascensão do artista que se tornaria um dos maiores cantores populares do país nas décadas seguintes. O talento vocal, o carisma e a facilidade de transitar entre o inglês e o português ajudaram a consolidar sua carreira com uma série de hits inesquecíveis.

Mas, mesmo com tantos sucessos posteriores em português — como “Pai”, “20 e Poucos Anos”, “Caça e Caçador” — foi com “Don’t Let Me Cry” que ele conquistou o coração dos brasileiros pela primeira vez.

Album Mark Davis - 1975

🎧 O impacto da música nas rádios e novelas

A canção, que teve grande apelo popular ao ser incluída na trilha sonora da novela “A Barba Azul”, da TV Tupi, não foi tema de novelas da Globo. O sucesso perdurou por tanto tempo, que “Don’t Let Me Cry” virou símbolo da música romântica internacional no Brasil, sendo regravada por outros intérpretes, remixada em coletâneas e presente até hoje em playlists nostálgicas.

Rádios como a Mundial (AM), Tupi (AM), Cidade e, posteriormente, emissoras FM dos anos 80 e 90 mantiveram a música viva, transformando-a em um clássico atemporal, especialmente nos programas dedicados ao “flashback”.

📀 Um vinil raro e cultuado

Álbum Mark Davis, de 1975 com os grandes sucessos

Hoje, o vinil original com a canção se tornou item de colecionador. Com capa simples e uma identidade visual típica dos compactos dos anos 70, o disco é procurado por fãs e entusiastas que desejam reviver aquele instante mágico da estreia musical de Fábio Júnior no cenário nacional.

O som do vinil traz a textura nostálgica dos anos 70: aquele leve chiado da agulha, a emoção da voz crua e intensa, e a sensação de que o tempo parou — exatamente como a música promete em sua melodia.

🕯️ Um marco da música brasileira cantada em inglês

Ao lado de outros nomes como Morris Albert (“Feelings”) e Chrystian (com músicas em inglês antes da dupla com Ralf), Fábio Júnior é um dos poucos artistas brasileiros que alcançaram grande sucesso no país cantando em inglês. E “Don’t Let Me Cry” é, sem dúvidas, um dos principais exemplos desse fenômeno.

Mesmo após 50 anos, ela ainda embala lembranças de amores juvenis, bailinhos em clubes, programas de rádio noturnos e tardes de domingo repletas de emoção.

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