Ela cantava com graciosidade, quase podíamos “ver” seu sorriso ao ouvirmos as faixas de seus discos. Interpretava sem as apelações de algumas “divas” da música contemporânea. Em sua época, as artistas seduziam pela elegância e vasto talento.  Sua voz era afinadíssima, encorpada, bem colocada e carregada de sentimentos.  Clara nasceu em Paraopeba, Minas Gerais, em 12 de agosto de 1942. O pai, Mané Serrador, era violeiro e cantador de Folia de Reis. Aos 16 foi para Belo Horizonte, onde conseguiu o emprego de operária na fábrica de tecidos Cedro & Cachoeira. Por essa época, cantava no coral de uma igreja, ao mesmo tempo em que, ajudada pelos irmãos, concluía o curso normal.

Clara Nunes, início de carreira

 

A tecelã Clara logo largou os fios para cantar nas emissoras de rádio. Em 1960 foi a vencedora da final do concurso A Voz de Ouro ABC, em sua fase mineira, com “Serenata do Adeus” (Vinícius de Moraes), e obteve o terceiro lugar na finalíssima realizada em São Paulo com “Só Adeus” (Jair Amorim e Evaldo Gouveia). Contratada pela Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, durante um ano e meio teve um programa exclusivo na TV Itacolomi, o “Clara Nunes Apresenta”. Nessa mesma época, cantava em boates e clubes, tendo sido escolhida, por três vezes, a melhor cantora do ano.

Clara Nunes, disco Você Passa Eu Acho Graça (Odeon)

 

Em 1965 veio para o Rio de Janeiro e passou a apresentar-se na TV Continental, no programa de José Messias. Ainda nesse ano, após teste, foi contratada pela Odeon que, em 1966, lançou seu primeiro LP, A voz adorável de Clara Nunes, no qual interpretou boleros e sambas-canções. Em 1968, gravou “Você passa e eu acho graça” (Ataulfo Alves e Carlos Imperial), que foi seu primeiro sucesso e marcou sua definição pelo samba. A letra ganhou o tom certo com ela, o melhor registro para o clássico do gênero.

Clara Nunes / Reprodução TV Globo

Com o álbum Alvorecer, de 1974, Clara firma-se não só como uma grande intérprete, mas também como uma grande vendedora de discos. Puxado pelos sucessos “Conto de Areia” e “Meu Sapato Já Furou”, o álbum vende mais de 400 mil cópias e acaba de uma vez por todas com a teoria, sem alicerce, de que no Brasil mulheres não vendem muitos discos. O trabalho lançado no início da década de 70 foi produzido por Milton Miranda e Adelzon Alves, no formato LP, em 1997 teve outro lançamento, em CD.

 

Clara Nunes, disco Alvorecer

 

Clara Nunes se consagrou como uma das mais importantes cantoras de samba do Brasil, o que não é pouco no país que tem esse gênero, historicamente,  como identidade musical. Estão entre seus maiores sucessos: “Eu, Você E A Rosa” – Io, Tu E Le Rose (Pace / Panzeri / Brinniti / Vrs. Geraldo Figueiredo), “Sabiá” (Tom Jobim e Chico Buarque), “Tristeza, pé no chão”, de Armando Fernandes, “Meu sapato já furou” (Mauro Duarte e Elton Medeiros), “Menino Deus” (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro), “O mar serenou” (Candeia), “Juízo final” de autoria de Nelson Cavaquinho e Élcio Soares e outras canções bem-sucedidas em sua missão de cantar (como ela dizia).

Clara Nunes

Em 1982, Clara percebeu algo estranho em sua perna. Foi durante o Festival Horizonte Latino Americano de Arte, em Berlim Ocidental. A cantora, do quarto de hotel ligou para sua amiga Bibi Ferreira e revelou sua preocupação com as varizes, e que havia uma “veia estranha, feia mesmo”. Declarou que ao retornar ao Brasil se submeteria a uma cirurgia de remoção. Melhorar o visual das pernas era uma preocupação para a artista que desenvolvia seu canto, em boa parte, dançando.  Em março de 1983 foi até à Clínica São Vicente na Zona Sul do Rio de Janeiro. Sua presença causou grande euforia. Anestesia aplicada, com a perna esquerda já operada, e a direita sendo suturada, o médico percebeu algo estranho na cor do sangue de Clara que teve uma parada cardíaca. Ela havia tido uma forte reação alérgica a alguns componentes utilizados no anestésico. A cantora entrou em coma.

Jornal do Brasil, em 1983, também noticiou a morte de Clara

Agonia para os amigos e para o país que torcia por ela. Todas as tentativas de recuperação do quadro clínico de Clara não tiveram êxito. A trajetória da talentosa estrela da MPB que fora interrompida em março de 1983, teve um desfecho triste 28 dias depois de sua internação. Em 02 de abril o Brasil ficou chocado com a notícia: “Morre Clara Nunes”. Seu cortejo foi monumental e o público lotou a quadra da Portela durante o seu velório, mais de 50 mil fãs deram o último adeus. A cantora foi uma das melhores de seu tempo. Em 1983, mesmo ano de sua despedida, foi considerada pela tradicional revista de música Rolling Stone a nona maior voz brasileira e também como a 51ª maior artista brasileira de todos os tempos.

Clara Nunes – Você passa eu acho graça
(Ataulfo Alves / Carlos Imperial)
Ano: 1968