Nora Ney: a Rainha do Rádio sai na frente e grava o primeiro rock em terras brasileiras
Antes que existisse o rock em terras brasileiras, já havia aqui gravações do gênero. A primeira faixa, desse segmento no Brasil, foi introduzida no 78 RPM (rotações por minuto) em outubro de 1955, pela cantora Nora Ney, interpretando “Ronda das horas”, título brasileiro dado ao sucesso americano “Rock around the clock” (Max Freedman e James Myers, 1954) interpretado por Bill Halley e seus Cometas. O sucesso do novo gênero estava agradando a juventude e ganhou difusão mundial quando em 1955 a MGM incluiu a música de Haley na trilha sonora do filme Sementes de Violência (Blackboard Jungle, 1955), estrelado por Glenn Ford. O hit é tocado no começo do filme, no final e no meio, em uma versão instrumental. O sucesso do filme impulsionou a música, que se tornou o primeiro rock a chegar a primeira posição da parada pop da Billboard, onde ficou por 8 semanas, além disso, alcançou o primeiro lugar na parada britânica e em vários países.
O lugar de origem da lendária cantora do rádio
Quem foi Nora Ney? A cantora chamava-se, na realidade, Iracema de Souza Ferreira. Nasceu no Rio de Janeiro, no bairro de Olaria, em 20 de março de 1922. Seu pai, Dárcio Custódio Ferreira, funcionário da Câmara dos Deputados, incentivava o sonho da filha, ainda criança, de ser cantora. Deu-lhe um violão, com o qual, a futura cantora aprendera sozinha a tocar. Os nomes da música que inspiravam Ney eram Aracy de Almeida e Mário Reis. A família foi morar no bairro do Flamengo em 1937. Iracema passou a estudar no Largo do Machado no Colégio Amaro Cavalcanti. Pouco tempo depois ela se formou em contabilidade.
O casamento muito conturbado de Nora Ney
Muito jovem, Iracema se casou com Cleido Maia, que era membro do Partido Comunista. O sujeito representava o comportamento de muitos homens machistas e possessivos da época, que a todo custo, faziam tudo que podiam para demoverem suas esposas da “ideia” de seguirem a carreira artística, pois “mulher de valor não entraria nesse mundo de prostituição e vagabundos”. Seu esposo chegou a protagonizar com Ney um dos barracos mais retumbantes nos noticiários da época. Os jornais estamparam nas manchetes, a Revista do Rádio – na edição de número 155, de 26 de agosto de 1952 – também comentou a “tentativa de suicido” de Nora, que obrigada pelo marido, tomou vários barbitúricos para dar cabo a vida. Foi internada, ficou em estado delicado e pouco tempo depois teve que ir à delegacia depor sobre o episódio. Com o desgaste na relação e a falta de confiança no marido, acabou optando pelo desquite. É interessante lembrar que nos anos 1950 não havia divórcio, e as mulheres que se separavam, em geral, eram estigmatizadas como potenciais prostitutas.
Uma questão fundamental para Nora ser a pioneira na gravação de rock
O que levou uma cantora de samba-canção – geralmente música que falava de um amor doído, um relacionamento conturbado, fracassado – a entrar nessa “nova onda do disco” e gravar um rock? Simples. Como ela era uma das únicas pessoas da gravadora Continental que sabia inglês em 1955, o hit de Bill Halley ganhou a sua interpretação especial por esse fato. A gravação foi feita em um disco de 78 RPM, com o acompanhamento do Sexteto Continental e manteve a letra original, em inglês. A cantora da fossa, dona de uma voz grave e marcante, reconhecida estrela dos Anos de Ouro do Rádio Brasileiro, também por esse feito, virou história. Nora gravou o disco em outubro de 1955.
Uma curiosidade: cantou em inglês, mas a música foi comercializada com o nome em português, “Ronda das Horas”, para viabilizar a execução. Possivelmente, muitos locutores não conseguiriam pronunciar o título em inglês, boa parte do público também não se arriscaria nessa Língua da terra do Tio Sam para solicitar a canção ou o disco preferido. A artista tinha um jeito peculiar de cantar, quase “falando” as letras carregadas de sentimentos em suas interpretações. Além do dom que tinha, imprimiu nas faixas dos discos um pouco de sua dor, experiências e seu amor.
À época do Regime Militar, a cantora foi para o exílio
Iracema de Souza Ferreira, marcou sua trajetória artística, sendo conhecida pelo grande público como Nora Ney. Iniciou a carreira de cantora no começo dos anos 1950 nas boates noturnas. Se destacou com canções como “Menino Grande”, “Se Eu Morresse Amanhã”, “De Cigarro Em Cigarro” e “Ninguém Me Ama”, sucesso tão grande a ponto de Nora conquistar o 1º Disco De Ouro da história fonográfica brasileira. Foi companheira do cantor Jorge Goulart por muitos anos. Durante o Regime Militar, ela o marido, adeptos do comunismo, foram para o exílio. Ao retornar ao país, o cenário musical já estava com as novas cores da Bossa Nova, da Jovem Guarda e de muitas novidades na Música Popular Brasileira. Nora não teve mais o mesmo destaque dos anos de ouro, mas continuou se apresentando com as incansáveis companheiras do rádio. Faleceu no dia 28 de outubro de 2003, vítima de falência múltipla dos órgãos, por conta de um câncer generalizado. Foi uma cantora excepcional, interpretava como poucos, e escreveu seu nome na história do rock nacional.